terça-feira, 13 de outubro de 2015

Bartolomeu



Bartolomeu Campos de Queirós é um daqueles autores indigestos. Justamente por isso talvez seja o meu grande autor canônico de literatura infantil. Digo indigesto porque ele toca questões sociais que não ousamos apresentar às crianças, senão apaziguadas com muita fantasia. No maravilhoso mundo da cultura infantil, nada existe de fato, o lixão, a miséria, a desertificação do país... tudo é longe, tudo pode ser vencido. (Aliás, isso pede um outro post sobre o tratamento das questões ambientais na literatura infantil).

Bartolomeu, assim como Ângela-Lago, faz crítica social em livros para crianças. Se a crítica é dirigida aos adultos mediadores ou se pretende criar uma consciência social nas crianças importa menos que o diálogo que se travará entre a criança e o mediador a partir da leitura de seus livros. Possivelmente o mais incomodado será o adulto.

Apesar de indigesto, Bartolomeu conquistou certa popularidade. Até o portal da editora Abril traz recomendações de livros seus. São muitos, e infelizmente ainda conheço apenas alguns poucos.

O primeiro livrinho do Bartolomeu que me chegou às mãos, com uma ilustração que achei feia a princípio, foi Pé de pato, sapato de pato (Editora do Brasil, 2009). Não era bem aquela capa bonita que me atrairia. Foi por acaso: minha irmã selecionou aleatoriamente alguns livros da biblioteca infantil do órgão onde trabalha para trazer pras minhas filhas, e veio esse.


É daqueles livros preparados para a escola, com ficha de leitura e tudo. Cheio de aliterações e jogos de palavras (como mostra o título), é um brinquedo de língua. O foco do Pé de pato... não é apresentar qualquer mazela social, mas simplesmente ser lúdico. Daí você se apaixona pelo Bartolomeu e escuta o que ele vai falar em outros livros menos ternos.

O segundo livro dele que chegou por aqui foi Somos todos igualzinhos (Global, 2006) – este com uma interessante ilustração minimalista do Guto Lacaz. Ácido e engraçado, entre galinhas e pintos, Bartolomeu apresenta uma leitura dos processos de massificação na sociedade.

Já pelo nome do autor, achamos na biblioteca O guarda-chuva do guarda (Moderna, 2004), um livro de poemas mais ameno, com ilustrações fofinhas da Elisabeth Teixeira.

Mas o que me deu mesmo um soco no estômago foi Mais com mais dá menos (RHJ, 2011, 2a ed.), um texto para leitores mais fluentes com muita realidade e pouca esperança. Ele começa parecendo um livrinho pedagógico, falando do menino que não gostava de emprestar as coisas. Mas ao contrário do enredo mais recorrente nessa temática – o egoísta sempre acaba se redimindo, quando vê que sem compartilhar ele vai ficar sozinho –, Bartolomeu transforma o menino em um grande empresário, explorador dos pobres. O ciclo de opressão se perpetua, assim como é.

Se lhe falta a saída, cabe a nós a criarmos. Nós, mediadores, junto com a criança. Bartolomeu é uma espécie de voz profética, que não teme expor a verdade, mesmo às crianças. Mas às vezes tenho a impressão de que quem não quer ouvir a verdade somos nós, e usamos as crianças apenas como uma desculpa para nos alienarmos no alto da última árvore da Amazônia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário