quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Câmara Cascudo, o nosso Grimm



Ontem um amigo que morou na Alemanha se queixava da pouca importância dada no Brasil aos nossos folcloristas. Disse que na Alemanha as crianças são apresentadas aos contos recolhidos pelos irmãos Grimm ainda na primeira infância. Aqui, as crianças estão aprendendo folclore via Maurício de Sousa. E não é por falta de bons livros.

A coleção Histórias à Brasileira, da Companhia das Letrinhas, traz vários contos folclóricos nacionais recontados por Ana Maria Machado e ilustrados por Odilon Moraes. Quem conhece as histórias de Grimm vai encontrar várias semelhanças, explicadas pela nossa história colonial, que mescla tradições folclóricas europeias, indígena e africana. Os contos que compõem essa coleção foram recolhidos por Ana Maria Machado a partir do legado de autores como Luís da Câmara Cascudo, Sílvio Romero, Monteiro Lobato, Couto de Magalhães, entre outros. Mas não é indispensável atualizar estas velhas e eternas histórias para apresentá-las às crianças. Vamos direto à fonte.

Há algum tempo temos trazido da biblioteca infantil os livros da coleção Contos de Encantamento, publicados na primeira década deste nosso século pela editora Global. São quatro livros e cinco contos: Couro de piolho, Maria Gomes, A princesa de Bambuluá, O marido da Mãe d'Água e A princesa e o gigante (estes dois últimos publicados em um único volume). Os textos foram extraídos da obra Contos tradicionais do Brasil (Global, 2000), de Câmara Cascudo, e publicados nesta colação com belíssimas ilustrações de Cláudia Scatamacchia.

Página interna de A princesa de Bambuluá (2003).
É incompreensível que Cascudo não figure de maneira sistemática nos currículos escolares. Se fosse por falta de uma apresentação visual adequada às crianças, esta coleção da Global viria eliminar qualquer desculpa. Se as histórias são fascinantes, o texto traz marcas de uma oralidade ao mesmo tempo popular e erudita que delicia os ouvidos. Cito um trecho do conto A princesa de Bambuluá, que conta a peregrinação do herói João:

"No quarto dia de viagem viu uma casinha no alto de uma serra, lá em cima, muito alvinha. Subiu com dificuldade e bateu palmas um tempo sem fim. Finalmente entrou e deparou um velho, velho, velho, tão velho que vivia dentro de uma cabaça, enrolado em pasta de algodão e suspenso em cima do fogo."

Os livros nós temos, e são tesouros. A grande questão é: o que está entrando entre as crianças e os livros?