Em sua correspondência com
Godofredo Rangel – registrada em A Barca
de Gleyre –, pelos idos de 1909, Monteiro Lobato se queixava da ausência de
uma representação digna das matas brasileiras na literatura: "A floresta
deste país de florestas que é o Brasil nunca foi pintada, nem interpretada! Não
temos nada d'après nature em matéria
de mata. Tudo é imaginado e tratado com receitas, com frases feitas – e sem
ciência nenhuma." Só Euclides da Cunha, continua Lobato, teve o mérito de
"meter um pouco de ciência na literatura".
Assim é também com a literatura
infantil, especialmente aquela direcionada à primeira infância, na qual os
animais são personagens preferenciais. Afora as clássicas histórias com animais
de climas temperados, como lobos e raposas, há uma infinidade de livrinhos que
misturam aleatoriamente animais e cenários de biomas diversos – como diria
Lobato, sem nenhuma ciência.
Mary e Eliardo França ensaiam um
retrato – literário e visual – da fauna brasileira, especialmente daqueles
animais mais familiares às regiões rurais: tatus, onças, antas, pássaros.
Lua cheia! - Mary e Eliardo França (Col. Os Pingos) |
Com a demanda escolar por
material de educação ambiental, multiplica-se também a literatura infantil com
essa temática. Queria ser alta como um
tuiuiú, de Florence Breton, é uma história de animais (capivaras, no caso) com
apêndices informativos, trazendo uma lista ilustrada de aves brasileiras.
Mas quem tem abraçado esse filão
com uma produção bastante consistente é a dupla Lalau e Laurabeatriz – o primeiro,
escritor, a segunda, ilustradora. Depois de alguns livros de poesia publicados
pela Cia. das Letrinhas – Zum-zum-zum,
Girassóis, Bem-te-vi¸Fora da gaiola –,
eles seguiram com a parceria e têm se dedicado especialmente a retratar a fauna
e a flora do Brasil. A coleção Brasileirinhos,
publicada pela Cosac Naify, é uma série de quatro livros com poemas sobre
animais brasileiros ameaçados de extinção. Muitos dos poemas foram musicados por
diversos artistas e gravados em CD, que acompanha um dos livros da coleção.
O grande mérito da dupla é criar
uma literatura que se sustenta como obra de arte independentemente de sua
temática, adequada ao mercado escolar. Há a pesquisa, há uma preocupação com o
rigor científico das informações, e ao mesmo tempo há umas belezinhas de poema,
como este aqui:
Uacari
Macaco
Careca.
Uma criatura
Diferente.
A cara do uacari
Parece caricatura
De gente.
Já as ilustrações são sempre exuberantes, feitas
com pincel e tinta, e as edições não descuidam a qualidade gráfica.
Em Diário de
um papagaio: uma aventura na mata atlântica, Lalau vai da poesia à
narrativa ficcional, relatando em primeira pessoa o trajeto de um
papagaio-de-cara-roxa do litoral paulista até Santa Catarina. Historinha bem
bolada, linguagem cuidada, gostosa de ler, e as sempre lindas pinturas de
Laurabeatriz.
Admiro os autores que conseguem ler o mercado e
entrar nele sem deixarem o literário de lado. Lalau e Laurabeatriz já fazem
parte da história da literatura infantil brasileira.