terça-feira, 8 de maio de 2018

Gibis

"Meu filho só lê revistinha, o que eu faço?"

O gênero literário não precisa ser um problema. É só abrir o leque.


Na foto:
- Peanuts, Schulz.
- Carol, Laerte.
- Luluzinha, Marjorie Henderson Buell.
- Les Schtroumpfs, Peyo. (Este está em francês, mas alguns livros foram traduzidos em português, Os Smurfs).

(Além desses, tem A turma do Pererê, do Ziraldo; Asterix, do Goscinny; Calvin e Haroldo, do Bill Watterson; Mafalda, do Quino, tudo facilmente encontrável nas livrarias.)

segunda-feira, 20 de março de 2017

A escola na literatura infantil Parte 1 - As Crônicas de Nárnia



C. S. Lewis – As Crônicas de Nárnia (Reino Unido, 1950-1956. Tradução brasileira por Paulo Mendes Campos, ed. Martins Fontes.)

No Brasil, a obra literária de C. S. Lewis permaneceu por muito tempo restrita aos círculos cristãos devido ao seu caráter eminentemente alegórico e messiânico. Tenho a primeira edição brasileira de The Magician's Nephew, de 1983, então batizada como Os anéis mágicos, publicada pela editora Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABU). Guardo num plástico para evitar que a capa e a folha de rosto, já soltas, se percam. Pouco antes de começarem a sair as adaptações cinematográficas das Crônicas, em 2005, a pequena ABU editora vendeu os direitos de publicação para a Martins Fontes[1], já prevendo sua incapacidade de atender à demanda que então se sucederia. A Martins Fontes adotou a mesma tradução que a ABU editora havia encomendado a Paulo Mendes Campos, porém substituiu alguns títulos por versões mais literais e reinseriu os nomes próprios ingleses no lugar dos nomes abrasileirados da ABU editora – para a minha infelicidade, tão habituada a Ari e Paula (em vez de Digory e Polly).

A coleção, que já pode ser considerada um clássico, popularizou-se então entre o público brasileiro, encantado pelas aventuras fantásticas no reino de Nárnia, para além de seu fundo religioso. Pesquisador e professor de literatura, tendo atuado nas universidades de Oxford e Cambridge, Lewis era detentor de um amplo repertório de referências que ele incorpora em sua obra ficcional infantil – como Dante e Milton – de maneira envolvente. Para mim, foram livros "para se morar", nos termos de Monteiro Lobato. Meu pai nos contava essas histórias na hora de dormir, ouvíamos fascinados, sempre esperando a sequência. Quando adquiri um pouco de competência de leitura, devorei toda a série. Lembro-me de checar o fundo do meu guarda-roupa na esperança de encontrar um caminho para outro mundo.

Mas passemos à presença da escola na obra de Lewis. Ele inicia seu O sobrinho do mago (que se tornaria o primeiro livro da série Crônicas de Nárnia, embora tenha sido o segundo a ser publicado) afirmando que a história que se vai narrar aconteceu em um tempo distante, quando "as escolas eram ainda piores que as de hoje". Sua visão negativa das instituições de ensino britânicas, derivada das próprias experiências de Lewis na infância e na juventude (relatadas em Surpreendido pela alegria, ed. Ultimato, 2015), ressurge em outros livros da série.

Em O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, a crítica aparece nos diálogos entre as crianças e o velho professor Ari (Digory), na casa de quem estão passando férias. O professor, figura cuja sabedoria provém da vivência pessoal de acontecimentos sobrenaturais, assim lamenta a dificuldade de as crianças compreenderem que a verdade é mais facilmente identificada pela idoneidade de quem a profere que por sua aparente plausibilidade: "Eu gostaria de saber o que essas crianças aprendem na escola!"

Em Príncipe Caspian, o retorno do leão Aslam – figura simbólica que representa o messias – para libertar os narnianos dos telmarinos, povo que dominava então sua terra, é marcado pela destruição das figuras de opressão – entre elas a escola:

"A primeira casa que encontraram foi uma escola, uma escola de meninas, onde uma porção de alunas de Nárnia, com cabelo muito esticado e golas muito apertadas e feias, e usando meias muito grossas, assistia a uma aula de História.
A História que se aprendia em Nárnia durante o reinado de Miraz era mais insípida do que a história mais verdadeira que se possa imaginar e muito menos verdadeira do que o mais apaixonante conto de aventuras.
– Goendolina, se continuar olhando para fora e não prestar atenção, dou-lhe um castigo! – disse a professora.
– Por favor... – disse Goendolina.
– Ouviu ou não ouviu o que eu disse?
– Mas, professora – insistiu Goendolina – lá fora tem um leão!
– Em vez de um, vou lhe dar dois castigos, pra você não dizer bobagens. E agora...
Um rugido cortou-lhe a palavra. E a hera começou a crescer e a enroscar-se pelas janelas da sala de aula. As paredes ficaram atapetadas de um verde cintilante e o teto cobriu-se de folhas. De repente, a professora percebeu que estava na floresta, numa clareira relvada. Quis agarrar-se à carteira para apoiar-se e viu que esta se transformava numa roseira. Gente selvagem, como ela nunca imaginara que pudesse existir, comprimia-se ao redor. Ao ver o Leão, começou a gritar e a fugir, e com ela toda a classe, formada na maior parte por meninas rechonchudas e de pernas roliças."

Mas o retrato mais pessimista da escola talvez esteja em A cadeira de prata. A narrativa começa com uma das protagonistas, Jill, vítima de bullying, chorando atrás do ginásio de esportes do colégio. Assim Lewis descreve a instituição:

"Era um 'colégio experimental' para meninos e meninas. Os diretores achavam que as crianças podiam fazer o que desejassem. Infelizmente, porém, havia uns dez ou quinze da turma que só queriam atormentar os outros. Lá acontecia de tudo: coisas horríveis que, numa escola comum, seriam descobertas e punidas. Mas ali, não. Mesmo que se descobrisse quem as havia feito, o responsável não era expulso nem castigado. O diretor achava que se tratava de 'interessantes casos psicológicos' e passava horas conversando com os alunos. E estes, se encontrassem uma resposta adequada para dizer ao diretor, acabavam se tornando privilegiados."

Depois da viagem fantástica a Nárnia – comum a todos os livros da série – os meninos Jill e Eustáquio retornam ao colégio e, autorizados por Aslam e acompanhados pelo próprio príncipe Caspian de Nárnia, saem distribuindo chicotadas entre os seus algozes. O episódio rende a destituição da diretora, depois da qual as coisas melhoram no colégio.

Em linhas gerais, é com acidez e ressentimento que a escola é representada em As Crônicas de Nárnia. Embora sejam poucos os momentos em que ela aparece nas narrativas, ambientadas sempre num espaço fora do cotidiano – procedimento bastante usual na literatura infantil e juvenil – são onipresentes as breves referências aos seus métodos alienantes e obsoletos de ensino, bem como as denúncias às atrocidades que ali têm lugar. Os príncipes sempre lamentam o fato de que terão de ser educados, enquanto os plebeus exaltam sua liberdade e autonomia. E é sempre fora da escola que os personagens amadurecem, se desenvolvem e se aperfeiçoam, numa valorização da vivência sobre o ensino formal.


[1] Esta informação me foi fornecida pelo meu pai, José Miranda Filho, que foi presidente da Aliança Bíblica Universitária durante aqueles anos e tinha relações próximas com a ABU Editora.

terça-feira, 14 de março de 2017

A escola na literatura infantil



A escola é um cenário constante nas narrativas infantis, por razões evidentes. É um espaço onde as crianças passam grande parte de seu tempo e que, junto com o ambiente doméstico, abriga muitas aventuras literárias. As narrativas escolares chegaram inclusive a constituir um gênero específico na Inglaterra do século XIX, com histórias ambientadas em internatos. Mas mesmo quando a escola não aparece como palco essencial da trama, é comum que o escritor projete uma imagem dela. Ao omiti-la, por exemplo – como o faz Monteiro Lobato nas aventuras de Narizinho e Pedrinho, sempre passadas em férias no campo –, o autor opõe os espaços de liberdade e imaginação à instituição escolar.

Coletei aqui algumas obras infantis e juvenis que apresentam reflexões sobre a escola, de maneira problematizada e literária, e que, em seu conjunto, levam o leitor a pensar criticamente seu lugar nessa instituição da qual ele é forçado a participar. Entre as caracterizações cômicas de Astrid Lindgren ou Sempé-Goscinny e a crítica mais amarga de C. S. Lewis, encontramos a ternura bastante pessoal de Bartolomeu Campos de Queirós. É apenas uma pequena amostra em face da onipresença do tema na literatura infantil e juvenil.

Além dos autores e obras que listamos abaixo, lembramos de passagem da literatura quadrinizada, que com Schulz e Quino também exploram maravilhosamente a relação das crianças com a escola.




Nas próximas semanas, falarei um pouco sobre como a escola aparece na obra de alguns autores escolhidos da literatura ocidental, entre eles um brasileiro. Inseri os nomes das obras em português, tal qual foram traduzidas no Brasil. As datas de publicação se referem às primeiras edições nos países de origem:

1) C. S. Lewis – As Crônicas de Nárnia (Reino Unido, 1950-1956. Tradução brasileira por Paulo Mendes Campos, ed. Martins Fontes.)
2) Sempé/ Goscinny – O pequeno Nicolau (França, 1956-1964. Tradução brasileira por Luis Lorenzo Rivera, ed. Martins Fontes.)
3) Clement Freud – Grimble (Reino Unido, 1968. Tradução brasileira por Antonio de Macedo Soares, ed. Pequena Zahar.)
4) Astrid Lindgren – Pippi Meialonga (Suécia, 1969. Tradução brasileira por Maria de Macedo, ed. Cia das Letrinhas.)  
5) Yolanda Reyes – O terror do 6º B e outras histórias (Colômbia, 1995. Tradução brasileira por André de Oliveira Lima, ed. FTD.)
6) Bartolomeu Campos de Queirós – Ler, escrever e fazer conta de cabeça (Brasil, 1996, ed. Global)

Começaremos com C. S. Lewis. Aguardem!

domingo, 5 de fevereiro de 2017

LALAU E LAURABEATRIZ – literatura e fauna brasileira



Em sua correspondência com Godofredo Rangel – registrada em A Barca de Gleyre –, pelos idos de 1909, Monteiro Lobato se queixava da ausência de uma representação digna das matas brasileiras na literatura: "A floresta deste país de florestas que é o Brasil nunca foi pintada, nem interpretada! Não temos nada d'après nature em matéria de mata. Tudo é imaginado e tratado com receitas, com frases feitas – e sem ciência nenhuma." Só Euclides da Cunha, continua Lobato, teve o mérito de "meter um pouco de ciência na literatura".

Assim é também com a literatura infantil, especialmente aquela direcionada à primeira infância, na qual os animais são personagens preferenciais. Afora as clássicas histórias com animais de climas temperados, como lobos e raposas, há uma infinidade de livrinhos que misturam aleatoriamente animais e cenários de biomas diversos – como diria Lobato, sem nenhuma ciência.

Mary e Eliardo França ensaiam um retrato – literário e visual – da fauna brasileira, especialmente daqueles animais mais familiares às regiões rurais: tatus, onças, antas, pássaros.

Lua cheia! - Mary e Eliardo França (Col. Os Pingos)
 
Com a demanda escolar por material de educação ambiental, multiplica-se também a literatura infantil com essa temática. Queria ser alta como um tuiuiú, de Florence Breton, é uma história de animais (capivaras, no caso) com apêndices informativos, trazendo uma lista ilustrada de aves brasileiras.


Mas quem tem abraçado esse filão com uma produção bastante consistente é a dupla Lalau e Laurabeatriz – o primeiro, escritor, a segunda, ilustradora. Depois de alguns livros de poesia publicados pela Cia. das Letrinhas – Zum-zum-zum, Girassóis, Bem-te-vi¸Fora da gaiola –, eles seguiram com a parceria e têm se dedicado especialmente a retratar a fauna e a flora do Brasil. A coleção Brasileirinhos, publicada pela Cosac Naify, é uma série de quatro livros com poemas sobre animais brasileiros ameaçados de extinção. Muitos dos poemas foram musicados por diversos artistas e gravados em CD, que acompanha um dos livros da coleção.

O grande mérito da dupla é criar uma literatura que se sustenta como obra de arte independentemente de sua temática, adequada ao mercado escolar. Há a pesquisa, há uma preocupação com o rigor científico das informações, e ao mesmo tempo há umas belezinhas de poema, como este aqui:

Uacari
Macaco
Careca.

Uma criatura
Diferente.
A cara do uacari
Parece caricatura
De gente.  

Já as ilustrações são sempre exuberantes, feitas com pincel e tinta, e as edições não descuidam a qualidade gráfica.

Em Diário de um papagaio: uma aventura na mata atlântica, Lalau vai da poesia à narrativa ficcional, relatando em primeira pessoa o trajeto de um papagaio-de-cara-roxa do litoral paulista até Santa Catarina. Historinha bem bolada, linguagem cuidada, gostosa de ler, e as sempre lindas pinturas de Laurabeatriz.






Admiro os autores que conseguem ler o mercado e entrar nele sem deixarem o literário de lado. Lalau e Laurabeatriz já fazem parte da história da literatura infantil brasileira.